quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Verbete: Fanfiction

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Você sabe o que é fanfiction?

Bem, como provavelmente quem está lendo esta postagem é:
– um dos meus amigos;
– contatos do MSN;
– ou já conseguiu sobreviver ao meu “mais de 15 minutos falando sobre Realismo Fantástico” (e ganhou algo da minha confiança e todo meu respeito)
provavelmente já trocamos uma ou duas palavras sobre o tema.

Mas se você é:
– um curioso oriundo do orkut;
– está viajando sem rumo na eterna noite do espaço virtual;
– é algum grande editor que trabalha excessivamente, a quem indicaram este blog (não custa nada sonhar... Oi, Grande Editor! Fique à vontade.);
– ou está no planeta para expandir o verbete ‘Terra’ no mais incrível e indispensável livro do universo conhecido (eu juro que vou me curar. Já até comecei a terapia: lendo Bukowski a partir de HOJE),
então talvez você não saiba do que se trata. Embora possivelmente o editor já tenha conhecimento do fenômeno.

Bem, que eu saiba, não existe uma definição léxica oficial deste verbete. Então vamos por partes.

Você com certeza já leu um livro cujos personagens pareciam reais a ponto a ponto de quase poder falar com eles e imaginou, durante o dia inteiro de trabalho ou estudo o que de melhor (ou pior) poderia acontecer a eles. Provavelmente já assistiu a um filme com cujo final não concordou e pensou que você mesmo teria feito melhor ou diferente. E os seriados? Meses de intervalo entre as temporadas deixam qualquer um idealizando.

Pois é. Acontece que algumas pessoas têm uma comichão idealista incontrolável. E quando isso acontece com quem tem algum talento para escrever e um certo domínio de gramática, não tem jeito: quando menos se espera se está escrevendo fanfictions – e lendo compulsivamente!

A ficção escrita por fãs já tem sido alvo de estudos. Soube de algumas teses a respeito do assunto e monografias premiadas. É um fenômeno que explodiu nos últimos anos. Mas não é recente. É notória a contratação dos “fanfiqueiros” de Star Treck que se tornaram roteiristas da série e outros que acabaram escrevendo livros oficiais para a franquia.

Voltando um pouco mais no tempo, não é difícil observar na ‘Grande Literatura’ casos de escritores que usaram de seus livros preferidos como fonte de inspiração para seus próprios livros. E outros que tiveram por base livros de sua predileção, até reescrevendo-os. Muitos suplantaram totalmente a obra original.

O mais impressionante e hipnótico nessas histórias é o caráter essencialmente passional desse tipo de ficção. Não se escreve fanfiction por escrever. Geralmente estamos emocionalmente ligados com a situação “vivida” por aquela personagem preferida. Ou gostaríamos de ver como aquele herói se sairia num ambiente ou/e situação diversos daquele em que foi originalmente descrito. Às vezes dá pra ir até além do escrever só pela paixão. Mais um exemplo de como as fronteiras entre o marginal e o reconhecido não estão exatamente delimitadas é o Jô Soares, que ganhou bastante dinheiro e fama às custas do que Arthur Conan Doyle criou de mais popular. E o Sherlock Holmes ganhou um belo “revertério” com a comida dos trópicos...

Mas as motivações para escrever não param por aí.

Nos últimos meses, entrei em contato com diversos fanfiqueiros, a maioria dos Estados Unidos e Canadá, alguns do Reino Unido e Alemanha, além dos brasileiros também, claro. Passei feedback das histórias que li, perguntei a respeito de suas influências literárias e aspirações com a escrita. Não formulei estatísticas, mas muitos declaram não ter ambições além de se divertir e aos amigos, ou matar a ansiedade entre o intervalo de lançamento de um livro e outro da série, ou temporada de seriado. E escrevem porque gostam, ou como escape de uma vida em sociedade que não dá muito espaço aos nossos sonhos – todos concordamos que a vida real é mesmo muito dura (algumas vezes chata e outras meio sem graça), afinal de contas.

Mas outros têm sim aspirações literárias, pretendem ser escritores e emprestam seus talentos às fanfictions (dedinho levantado aqui, eu! Eu! Eu!). Mas o que se recebe em troca não é pouco: você aperfeiçoa suas habilidades, e trabalha seus pontos fracos. E o melhor: tem leitores. Eles costumam responder, e geralmente estão dispostos a discutir seu trabalho. E vamos admitir, isso é delicioso. E muito menos frio que encadernar aquele livro ao qual você se dedicou tanto, enviar pra umas cinco editoras e não receber resposta nenhuma além de, algumas vezes, um pálido ou gélido “obrigado por enviar seu trabalho. Você está na fila de espera para entrar em um de nossos catálogos de novos escritores.” Isso quando muito. E tudo o que você queria era que alguém te enviasse um parecer sobre o que você escreveu. Mesmo que fosse um “Desista enquanto pode.” Claro que eu não ia desistir. Ia achar que é conspiração contra a Walt Whitman do século XXI aqui.

Não estou dizendo que esse processo de ir em busca das editoras não é importante. Gosto de passar pelo que tantos escritores já passaram. Mas, vamos lá, qualquer escritor do(s) século(s) passado(s) ia gostar de ser parte de um fórum com gente bacana e que apreciasse e se envolvesse de verdade o que eles escrevem. Sempre achei aqueles clubes de Sarau e literatos à la “Fim de semana na Maison de Lord Byron” meio forçados. Se você não nascesse na nata ou não fosse chegado em “papoula processada” então, piorou... Aliás, acho que muitos deles não teriam desistido da carreira literária (ai, Rimbaud... O que fizeram com você, mon amour?).

Por essas e outras é que eu faria minha monografia a respeito desse tema se estivesse cursando letras.

Ah, e que amo ter nascido nesta época.

E também escrever fanfiction.





Já pensou seqüestrar o Spock e cortar a pontinha de uma de suas orelhas pra enviar ao Kirk como prova de que ele está vivo? Sem nem precisar sentir muita culpa, já que a ciência da época dele regenera praticamente tudo. Pena que provavelmente não é um argumento em que valha a pena investir: algum trekker tétrico já deve ter pensado nisso. Já viu quantas histórias deles ocupam as páginas do fanfiction.net?



P.S.: "Fanfiqueiro" não é um neologismo pelo qual eu tenha exatamente afeição, simplesmente devido à sonoridade da palavra. Mas fazer o quê?

Um comentário:

Rebecca Albino disse...

Ó, nem precisei ler todo seu post pra saber que tu manda muito, menina. Mas, você não vai acreditar mesmo....¬¬'

Além disso, você me convenceu que escrever Fics não é assim tanta loucura — a não ser quando você se depara com algumas extremamente nonsense.

Já pensei em mudar cenas e finais de filmes/livros milhões de vezes e nunca tinha parado pra pensar que isso dá origem à fics! Boa, menina, boa!