segunda-feira, 21 de abril de 2008

Para viver

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Rubem Braga tantas vezes escrevia sobre o não saber o que escrever. Adoro tudo o que se escreve sobre o fazer literário, as histórias sobre a busca por inspiração.

Adoro a idéia de Drummond pegando ônibus para ir e voltar de seu trabalho numa repartição pública, só para poder observar e escrever. Adoro o fato de ele ter trabalhado em outra coisa, talvez maçante, para sobreviver e não sacrificar sua literatura ao comércio, ou ao gosto alheio ou ao que quer que seja. [Ela precisa ser livre – e por ela suportamos qualquer coisa, pois a amamos.]

Adoro essas histórias de tesão e amor tórrido e incondicional pela literatura. Adoro compartilhar a sensação de frio de William Soroyan em seu apartamentinho de fundos em NY, parcamente mobiliado, preferindo tiritar até a dor a queimar qualquer um dos piores livros de sua biblioteca para aquecer-se.

Admiro cada dificuldade real dos escritores reconhecidos ou não, menos que pequeno-burgueses, cujo ápice do prazer são os fins de semana ou feriados como este, quando podem ignorar todo burburinho externo e as gigantescas tolices da exigência social e se entregar à luxúria ao som do grafite que corre pela página, das teclas frenéticas quebrando o silêncio, compondo o que faz pulsar de novo a verve na veia.

Adoro tudo isso que me dá força para ler qualquer dos livros de minha biblioteca antes de sucumbir à precisão de torra-lo por um trocado no sebo; para pegar o ônibus lotado – e manter o ouvido atento à inspiração casual; para suportar a jornada de trabalho (necessária em minha faixa econômica menos, muito menos que pequeno-burguesa) sem jamais deixar o amor – e principalmente o tesão – acabar. E adoro o saber que seja que me dê força para escrever sobre tudo. Ou sobre nada.